*Este texto contém spoilers
Lá em 2002, quando o tio Ben de Sam Raimi (Rápida e Mortal, Por Amor e O Dom), interpretado pelo ator Cliff Robertson (Os Dois Mundos de Charly e Um Domingo em Nova York), soltou a icônica frase ‘com grandes poderes vêm grandes responsabilidades’ no cinema, talvez quase ninguém imaginasse que a Marvel viria a ser… bem, a Marvel como a conhecemos hoje.
Fato é que, embora já populares entre os fãs dos quadrinhos, essas seis palavrinhas ganharam muita, mas muita força na cultura pop depois que apareceram no filme protagonizado por Tobey Maguire (trilogia Homem-Aranha, Entre Irmãos e O Grande Gatsby).
No entanto, é notório que nenhum outro longa do Aranha traduziu melhor a famosa citação para as telas de cinema que não o recente Sem Volta Para Casa, do diretor Jon Watts (também responsável pelos outros dois filmes protagonizados por Tom Holland: De Volta ao Lar e Longe de Casa).
Veja bem, a trilogia de Raimi é a minha favorita – bem como o Aranha de Maguire -, mas Sem Volta Para Casa, que chegou aos cinemas brasileiros na última quinta-feira (16), faz jus à “frase tema do Homem-Aranha” já que todo arco de Peter Parker é desenvolvido a partir da percepção do personagem de que, realmente, ‘com grandes poderes vêm grandes responsabilidades’.
Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa fecha a primeira trilogia do teioso vivido por Tom Holland dentro do Universo Cinematográfico Marvel (MCU) – em entrevista ao New York Times na sexta-feira (17), Kevin Feige, presidente da Marvel, confirmou que o futuro do personagem já está sendo desenvolvido pelos estúdios (Disney e Sony) e que mais três filmes estão a caminho.
Depois dos eventos de Longe de Casa (2019), em que o vilão Mysterio (Jake Gyllenhaal) revela a identidade do Homem-Aranha, Parker precisa lidar com as consequências de ter seu eu secreto revelado. E ao ver que sua exposição está prejudicando as pessoas que estão a sua volta, como a namorada (Zendaya) e o melhor amigo (Jacob Batalon), o teioso decide recorrer ao Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch). Mas o feitiço bolado pelo mago para solucionar o problema de Peter não sai como esperado e alguns velhos conhecidos dos fãs entram em cena, sejam eles heróis ou vilões. 😉
Como já esperado por muitos fãs do MCU, o filme finalmente trouxe o chamado multiverso, que já havia sido ligeiramente explorado em séries como Loki e What If…?, ambas disponíveis no Disney+, e em filmes como Homem-Aranha no Aranhaverso, disponível no Telecine.
A existência de realidades e linhas do tempo paralelas possibilita com que o estúdio introduza novos personagens nas telas e traga de volta nomes que já haviam sido exploradas em outros longas que não estavam relacionados ao MCU. Por isso, os gritos de animação da platéia diante do retorno de Willem Dafoe, Alfred Molina e Jamie Foxx como Duende Verde, Octopus e Electro, respectivamente, são perfeitamente justificáveis.
Obviamente, o multiverso também viabiliza um outro encontro (esse extremamente desejado há tempos pelos fãs do Aranha): Tobey Maguire, Andrew Garfield e Tom Holland na mesma cena. Ah… que momento! E com direito a diversos easter eggs, resoluções para as sequências dirigidas por Raimi e Marc Webb (dulogia O Espetacular Homem-Aranha e 500 Dias com Ela) e até mesmo reprodução de meme.
Deixando de lado a euforia causada pelas famigeradas aparições e referências, confesso que achei o argumento principal para o desenrolar do conflito um pouco fraco. Mesmo o Peter de Holland sendo muito jovem e até mesmo ingênuo quanto ao seu papel como o “amigão da vizinhança”, simplesmente tirar vilões de outros universos de um local seguro para o apartamento de Happy (Jon Favreau) para uma ‘cura relâmpago’ porque ‘eles iriam morrer’ foi algo que não me convenceu e deixou a sensação de “ok, precisamos chegar logo na parte em que os vilões estão à solta e todo mundo luta, então bora criar uma solução rápida”. Até porque o próprio Homem-Areia (Thomas Haden Church) não é morto por Maguire em Homem-Aranha 3, não é mesmo?
Particularmente, acredito que o início do filme foi mais arrastado e ainda muito similar ao que já vinha sendo feito com o Peter de Holland; por isso, não foi possível desenvolver melhor a questão dos vilões no novo universo. Na minha humilde visão de fã do universo criado pela Marvel nos cinemas, acho que a bagunça causada por eles merecia uma motivação um pouco mais sólida e coerente.
Por outro lado, o ponto alto para mim foi o arco narrativo em si – a melhor construção de personagem da Marvel até agora na minha opinião. A jornada do herói, nua e crua, faz com que o protagonista amadureça e enfim saia do guarda-chuva criado por Tony Stark (Robert Downey Jr.). Vamos combinar: embora tenha lutado contra Thanos, Tom Holland nunca enfrentou um desafio que o impactasse de forma pessoal – Maguire perdeu o tio Ben e Garfield precisou lidar com a morte de Gwen Stacy, certo?
Embora sejam divertidos e complementares para os desdobramentos do MCU, os dois antecessores de Sem Volta Para Casa não desenvolvem o Peter Parker de Holland, não fazem com que ele cresça como herói. Até os eventos do último filme lançado, a maior preocupação de Parker é se dar bem no colégio e se declarar para a MJ de Zendaya. Os desafios que enfrenta ou as encrencas em que se mete têm sempre o respaldo da tia May (Marisa Tomei), de Happy, dos Vingadores e de Stark.
Agora, o Peter Parker do MCU está em pé de igualdade com o Peter Parker dos quadrinhos e com os Peters Parkes das outras duas franquias. Sozinho e costurando o próprio traje.
Quando Parker entende que a única forma de salvar o mundo é o Doutor Estranho apagando sua existência da memória de todas as pessoas, e não se opõe a isso, vemos que, para ele, atos inconsequentes são coisa do passado. Esse amadurecimento também é muito emblemático nos minutos finais quando o protagonista caminha em direção à lanchonete onde MJ trabalha certo de contar a ela a verdade, mas, chegando lá, ele decide não se revelar e seguir no anonimato.
E não só isso. O final de Sem Volta Para Casa abre uma infinidade de portas para o Homem-Aranha de Tom Holland já que pode representar tanto um fim quanto um recomeço. E as principais dúvidas que ficam são: o Homem-Aranha vai seguir solo dentro da Sony ou vai continuar fazendo parte do MCU comandado pela Disney? E será que vem aí a Gwen Stacy do MCU? Pessoalmente, espero que o conflito entre os estúdios não estrague um dos personagens mais carismáticos dos últimos tempos e que a Marvel continue lidando com maestria com o multiverso.
Em pouco mais de 2 horas de filme, assistimos um jovem imaturo e brincalhão tornar-se um adulto que entende mais do que nunca o significado da frase ‘com grandes poderes vêm grandes responsabilidades’, que aqui é dita pela tia May momentos antes dela morrer.
Acredite: Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa é tudo isso e mais um pouco do que as pessoas estão comentando na internet – e, desta vez, podemos dizer que o hype é real!
Um filme que desperta risadas, emoções e arrepios nos fãs do MCU merece ser visto na tela de cinema.
Ficha técnica
Título: Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa (Spider-Man: No Way Home)
Ano: 2021
Lançamento: 16 de dezembro de 2021
Distribuição: Sony Pictures
Gênero: ação, aventura, fantasia
País: Estados Unidos
Roteiro: Chris McKenna, Erik Sommers
Produção: Kevin Feige, Amy Pascal, Victoria Alonso, Avi Arad e outros
Direção: Jon Watts
Elenco: Tom Holland, Zendaya, Jacob Batalon, Benedict Cumberbatch, Benedict Wong, Marisa Tomei, Jon Favreau, J.K. Simmons, Jamie Foxx, Rhys Ifans, Willem Dafoe, Alfred Molina, Thomas Haden Church, Charlie Cox, Andrew Garfield e Tobey Maguire
Classificação: 12 anos
Duração: 2h29
Atualizado em 21 de dezembro de 2021 às 14h25.